Afinal, encostar o pneu no meio fio é falta eliminatória?

Por Márcia Pontes
Ainda que o assunto seja regulamentado em Resolução do CONTRAN, a falta de consenso e diferentes interpretações do artigo 19, inciso I, letras “b” e “d” da Resolução 168/2014, sobre faltas eliminatórias na manobra de baliza, levam a desigualdades na aplicação e nos critérios de reprovação em exames de direção em todo o país.

Em alguns estados brasileiros, o candidato que encosta o pneu do veículo de aprendizagem no meio-fio durante a manobra é reprovado sumariamente. Em outros, a interpretação é de que o candidato pode encostar o pneu no meio fio de leve desde que as rodas não sejam pressionadas com força.

Mas, a subjetividade no entendimento e na aplicação da norma não pára por aí: há bancas examinadoras que toleram encostar o pneu de leve ou com força, desde que não suba no meio fio. Há, ainda, examinadores que mandam repetir a manobra caso o pneu encoste. Quando uma faixa de retenção substitui o meio fio ou é pintada antes dele, se o pneu encosta na faixa, constitui falta eliminatória.

Em busca de padronização, os Detrans nos seus respectivos estados elaboraram em conjunto com os CFC’s, seus profissionais e os examinadores os manuais de procedimentos para exame de direção. Alguns, inclusive editaram portarias sobre o assunto, mas cada qual mantendo interpretações e juízos diferentes: o que reprova em determinada banca, não reprova em outra de outro estado. Detalhe: o que diz a Resolução é válido em todo o território nacional e tem força de lei federal.

Tudo porque, ao que parece, as bancas examinadoras não concordam entre si e têm uma interpretação própria do que diz o artigo 19, inciso I, letras “a” e “d” da Resolução do CONTRAN que estabelece (ou deveria estabelecer) as normas e procedimentos para a formação de condutores e a realização de exames. Vejamos o que diz a letra da Resolução:

Art. 19. Constituem faltas no Exame de Direção Veicular, para veículos das categorias “B”, “C”, “D” e “E”:

I – Faltas Eliminatórias:

b) avançar sobre o meio fio;

d) avançar sobre o balizamento demarcado quando do estacionamento do veículo na vaga; (BRASIL, 2004, p. 6).

Encontrar no senso comum a explicação para essas desigualdades não é muito difícil: para os examinadores, no dia a dia depois de habilitado, encostar o pneu no meio fio causaria menos prejuízos do que encostar em um veículo, representado no exame pelos cones, protótipos e hastes. Mas, a Resolução do CONTRAN, que aliás tem força de lei federal, não discrimina nem leva em conta essas circunstâncias e possibilidades.

A Resolução também não menciona o que alguns Detrans já detalharam em Portarias próprias: quando o pára-choque dianteiro avança sobre o meio fio é falta eliminatória? E, avançar o engate (considerado como extensão do veículo) acoplado à traseira, pode ser interpretado como avançar sobre o meio fio?

Essa situação não se reduz a uma questão semântica ou de exegese, tão peculiar no mundo das leis. E não será de estranhar que algum candidato que se sinta prejudicado pela subjetividade dos examinadores, questione a reprovação na Justiça e logo tenhamos uma jurisprudência sobre o assunto.

O que preocupa é, até que ponto, a prática dos examinadores prejudica os candidatos e aumenta ainda mais os índices de reprovações dos CFC’s. Afinal, os CFC’s em que as bancas examinadoras reprovam sumariamente o candidato que encostou o pneu no meio fio, certamente acumularão maior percentual de reprovação do que os CFC’s em que as bancas toleram este tipo de prática.

Mas, o que preocupa mais ainda é o modo como os instrutores irão ensinar a manobra recomendando aos candidatos encostar o pneu no meio-fio como um macete para a realização da baliza. Quem é instrutor e quem é aluno sabe muito bem que uma prática muito comum dos instrutores é ditar o passo a passo da receitinha da baliza para que o aluno escreva em um pedaço de papel para não “esquecer” no dia da prova. E a recomendação tem sido de “bater o pneu no meio fio”.

Em tempos de formação de condutores cada vez mais capenga, de índices de reprovação de mais de 80% em alguns CFC’s, cidades e estados, não se deveria instruir os alunos a utilizar obstáculos como macetes para manobras, e creio ter sido esta a intenção do legislador quando escreveu a norma.   

Talvez, o que mereça reavaliação por parte do CONTRAN para estabelecer a uniformidade e a igualdade na aplicação dos exames de direção em todo o país, e para acabar com a subjetividade na interpretação das bancas examinadoras, seja reescrever as letras “b” e “d” do inciso I, art. 19, dando mais clareza. Afinal, a palavra avançar, seja sobre o meio-fio ou sobre a área de balizamento, tem o significado de lançar-se, adiantar-se, prosseguir, arremessar-se. Mas, também poderia significar “ficar em cima” ou “passar por cima”.

Se avançar sobre o meio fio é considerado “ficar com a roda em cima da guia”, e a mesma expressão é empregada em relação ao balizamento, também há lugar para a interpretação de que encostar no protótipo, haste ou cone não constituiria falta eliminatória, mas sim, ficar com alguma parte do veículo em cima deles.

Será que as Portarias dos Detrans enquanto leis infralegais e hierarquicamente inferiores, têm o poder de decidir essa questão com base na subjetividade e na exegese passando por cima de uma Resolução, que tem força de lei federal? Tornar o texto da Resolução mais claro resolveria o problema?

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