Humanização das cidades e proteção ao pedestre


Por Márcia Pontes

O Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) já definiu o tema para a Semana Nacional do Trânsito, entre os dias 18 e 25 de setembro de 2014: “Década Mundial de Ações para a Segurança do Trânsito – 2011/2020: Cidade para as pessoas: proteção e prioridade ao pedestre”.

Tudo bem que mobilidade humana, proteção e prioridade ao pedestre tem que ser todo dia, mas para as cidades e as pessoas que querem fazer algo, efetivamente sério, o momento de começarem a se mexer é agora!

Infelizmente, temos no nosso país uma cultura de planejamentos e ações, principalmente em segurança no trânsito, voltada apenas para as datas comemorativas. É só chegar a Semana Nacional do Trânsito que as escolas e os professores ficam em polvorosa. No meio do corre-corre para decorar toda a escola os alunos ensaiam dramatizações, jograis, paródias, participam de concursos de cartazes, de pintura, de frases sobre o trânsito e de tantas outras atividades. Mas, ao longo dos outros dias do ano o assunto trânsito mal entra na pauta.

O trânsito nas escolas pode ser trabalhado diretamente em 5 dos 6 temas transversais, mas quem é que disse que se trabalha trânsito na escola? Cada escola tem o seu Projeto Político Pedagógico (PPP), mas, quantos incluem o trânsito em suas metas a serem trabalhadas a curto, médio e longo prazo?

Talvez, na Semana Nacional do Trânsito, as secretarias de educação em muitos municípios organizem concursos de redação e até premiem as melhores frases daqueles alunos que escrevam que as cidades devem ser pensadas e planejadas para as pessoas e não para os veículos, mas será que os governantes que vão entregar os prêmios estão fazendo isso na sua própria cidade?

Talvez a frase vencedora desse tipo de concurso na Semana Nacional do Trânsito seja aquela do aluno que dirá que uma cidade feita para as pessoas é aquela em que se estimula o uso da bicicleta como transporte alternativo para pequenos percursos. Talvez, essa criança até ganhe como prêmio uma bicicleta, mas será que a sua cidade vai lhe oferecer condições seguras de pedalar no lazer ou na ida e vinda para a escola?

Isso faz pensar sobre que tipo de importância se está dando à Semana Nacional do Trânsito e se estaremos premiando apenas o que queremos ouvir e não fazemos em nossas cidades.

O fato é que não se pode pensar que um dia teremos cidades para as pessoas, proteção e prioridade ao pedestre enquanto o próprio governo zera as taxas e impostos para incentivar a compra de carros novos sem oferecer malha viária decente e segura num país em que morrem, por ano, mais de 60 mil pessoas em acidentes.

Porque fazer uma cidade para as pessoas com proteção e prioridade ao pedestre inclui também medidas de engenharia, de fiscalização e de educação que possibilitem o deslocamento com segurança, conforto e acessibilidade para todos: pedestres, ciclistas e condutores.

Inclui quebrar velhos paradigmas e estereótipos de que tanto a qualidade de vida quanto o ideal de felicidade do século 21 se resumem a ter um carro ou uma moto. Enquanto as cidades e os países mais evoluídos também em mentalidade e em cultura implantam medidas que priorizam as cidades para as pessoas e as áreas de convivência humanas em detrimento do veículo, continuamos caminhando na contramão, fazendo todo tipo de mudança que favoreça o fluxo de veículos.

Numa cidade planejada para as pessoas as sinaleiras para pedestres oferecem mais tempo para as travessias humanas. Numa cidade planejada para as pessoas há investimentos em ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas; há modificação do traçado e da geometria das vias para favorecer a vida das pessoas nas cidades com espaços de convivência arborizados e humanamente recriados.

Nas cidades planejadas para as pessoas, em vez de se construir mais pistas para os carros e aumentar a velocidade permitida, reduz-se a velocidade como uma forma de aumentar a segurança, a proteção e a prioridade para os pedestres, porque é isso que reduz os impactos de acidentes e morbimortalidade de pessoas no trânsito.

Não se trata de ser contra o veículo, mas de se encontrar uma forma de uso racional para atender as necessidades de deslocamento das pessoas, estejam elas sobre rodas ou não.

Também não se trata de importar modelos do que deu certo lá fora e usar como carbono no Brasil, um país com uma frota que não pára de crescer e também onde mais se mata e se fere no trânsito e onde tudo que se tenta no sentido de impactar menos as cidades e reduzir a acidentalidade não dá resultado! Trata-se de abordar o problema com a devida seriedade e mudança de mentalidade que se pede.

Pertenço a uma escola que entende e defende que a Semana Nacional do Trânsito deveria ser aquele período em que todo o Brasil se reuniria em torno das ações realizadas ao longo de todo o ano para analisá-las, reavaliá-las e melhorá-las para cuidar melhor das pessoas e prevenir ainda mais a acidentalidade.

Já que muitas cidades não terão o que avaliar na Semana Nacional do Trânsito deste ano, que a programação não seja só comemorativa. Que sirva como reflexão para o país entender que assumimos perante o mundo o compromisso de reduzir para 11 as 23 mortes a cada 100 mil habitantes até o ano 2020 com uma taxa de mortalidade de mais de 60 mil mortos por ano.

Que sirva para o país entender os custos tangíveis e intangíveis de tudo isto. Afinal, as mudanças que tanto esperamos para um trânsito mais humano e seguro começam pela mudança de mentalidade. E que em vez de apaixonados por carros como querem que acreditemos que somos, sejamos apaixonados pela vida ao ponto de construirmos cidades com segurança, proteção e prioridade à vida. 

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